A linguagem que o enlutado por suicídio aprende

A linguagem que o enlutado por suicídio aprende

Nesse ano de 2025, em 5 de novembro, completarei 18 anos vivendo o luto por suicídio do meu irmão Zoltán que morreu em 5 de novembro de 2007.

Quando minha vida de sobrevivente enlutada por suicídio começou, era uma época diferente. Sem esse domínio de redes sociais, sem Setembro Amarelo, sem grupos de apoio online e sem o uso do termo “posvenção” no Brasil. O próprio tema do suicídio era um grande tabu (ainda hoje é, mas menos…) e o luto por suicídio também.

Assim que ocorre um suicídio na família, ou com pessoas próximas, começa o luto de dezenas de pessoas (alguns estudos estimam até 135 pessoas), os chamados sobreviventes enlutados por suicídio. O luto por suicídio é uma experiência única e cheia de desafios.

O enlutado por suicídio rapidamente percebe que seu luto é diferente de outros lutos. Existe um silêncio envolvendo esse luto. Muitas pessoas se afastam ou evitam falar sobre quem morreu, inclusive dentro da própria família do enlutado.

Além disso, o enlutado, que antes ele mesmo não pensava no assunto do suicídio, percebe como o jornalismo e a mídia tratam esse assunto de forma diferente. As mídias omitem, por exemplo, a causa da morte de pessoas famosas na maioria dos casos em que a morte ocorre por suicídio. E mais ainda, quando as mídias são conscientes, omitem as metodologias usadas.

Na verdade, aos poucos o enlutado por suicídio aprende uma nova forma de se expressar, aprende novas palavras, aprende a falar sobre suicídio e sobre seu luto por suicídio.

Logo de cara, o enlutado aprende que, na verdade, ele é um sobrevivente enlutado por suicídio, não é “apenas” um “simples” enlutado. Porque a vida nunca mais será a mesma. Existiu uma vida antes do impacto do suicídio e começa uma nova vida se adaptando a esse impacto, como uma sobrevivência mesmo.

O sobrevivente enlutado aprende também que ele faz parte do grupo cuidado por ações de posvenção, que engloba todas as atividades voltadas exclusivamente para cuidar dessa forma de luto.

O sobrevivente aprende também como deve falar sobre essa forma de morte. Termos como “morreu de suicídio” devem ser usados em vez de “cometeu suicídio”. A diferença é sutil, mas no primeiro caso deixamos claro que o suicídio é apenas uma forma de morte e não culpamos quem morreu, por entender que a ação é o resultado de muito sofrimento.

Parece mesmo uma linguagem nova e que acompanha essa vida nova onde o enlutado caiu sem querer.

Essa nova forma de falar também tem suas dificuldades e seus altos e baixos. Muitas vezes nos pegamos ainda “escorregando” e falando “cometeu”, em vez de “morreu”, e por vezes nos culpamos por esse erro.

Outras vezes sentimos raiva ao ver que alguém próximo de nós, mesmo sabendo do nosso luto, continua falando o “cometeu”. Não é fácil se acostumar com uma nova linguagem e usar ela corretamente sempre.

Como tudo no nosso luto por suicídio, seguimos um dia de cada vez, aprendendo ao longo dessa nova vida.

Aprender a falar sobre o nosso luto é também aprender a cuidar de nós mesmos.

Na ABRASES, caminhamos juntos nessa jornada de sobrevivência e acolhimento. Se você também está aprendendo essa nova linguagem, saiba que não está sozinho.

Virag Venekey - Depois do dia Z

Virág Venekey – Sobrevivente, enlutada pelo irmão – @depoisdodiaz

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